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  • Gabriela Gonçalves, G1 SP

Decreto assinado por Bolsonaro impede trabalho de equipes técnicas em ossadas de Perus

Grupo de Trabalho já analisou mais de 900 ossadas de retiradas da vala clandestina, onde foram deixados corpos de vítimas da ditadura militar.

Ossadas encontradas na vala de Perus serão enviadas para análise de DNA na Bósnia — Foto: Paula Paiva Paulo/G1

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou um decreto que "extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações" em conselhos, grupos e comissões da administração pública federal direta, autarquias e fundações. O decreto afeta também a atuação do Grupo de Trabalho de Perus (GTP), responsável por analisar 1.047 ossadas retiradas da vala clandestina, da Zona Norte da cidade de São Paulo.

Acredita-se que, além de mortos pela ditadura militar (1964-1985), entre as ossadas encontradas na vala de Perus também há pessoas mortas em chacinas e por grupos de extermínio, que depois esconderam os corpos.

A procuradora regional da República, Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, afirma que o decreto não extingue o GTP, mas "acaba com a equipe de identificação, que é o conjunto desses profissionais, que atuam em várias frentes".

"O grupo não está previsto neste decreto", diz Eugênia. O GTP é um convênio entre as secretarias de Direitos Humanos dos governos federal e municipal, junto com a Comissão Especial e a Unifesp.

O decreto foi publicado em uma edição extra de 11 de abril. Veja a publicação no site do Governo Federal.

Em nota, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que o acordo de cooperação técnica que instituía o grupo venceu em março. "Um novo instrumento, de mesmo cunho, está em tramitação e deve formalizar a continuidade dos trabalhos", diz trecho da nota (veja a íntegra no final do texto).

'Encontrar novos caminhos'

A procuradora regional da República diz que "agora, temos que encontrar novos caminhos". "A partir do decreto, instituir de outro modo o que está previsto. É uma maneira mais burocrática para dar continuidade. O grupo não pode deixar as atividades", disse Eugênia.

Ainda de acordo com a procuradora regional, há uma ação judicial na qual o governo "se comprometeu a manter o Grupo de Trabalho de Perus, a dar todas as condições de trabalho até seu término". O acordo prevê que até 2019 sejam analisadas as ossadas e, até 2020, as análises de DNA.

Brasil, São Paulo, SP. 04/09/1990. Funcionários da prefeitura colocam em sacos plásticos cerca de 1.500 ossadas encontradas em uma vala do cemitério Dom Bosco em Perus, zona oeste da capital — Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo

Grupo de Trabalho de Perus

O Grupo de Trabalhos de Perus (GTP) recebeu as amostras após as ossadas passarem por duas universidades (veja linha do tempo abaixo).

Em setembro de 2017, as ossadas foram enviadas para o International Commission on Missing Persons (ICMP), laboratório bósnio escolhido porque tem experiência com a análise de mais de 20 mil casos de identificação humana no conflito da ex-Iugoslávia.

Na ocasião, foram enviados fragmentos de ossos, dentes e amostras de sangue de familiares referentes a 100 indivíduos que mais se enquadram nas características dos 41 desaparecidos políticos.

O grupo de trabalho é composto por peritos oficiais, professores universitários e por consultores nacionais e estrangeiros. Segundo o coordenador Samuel, "compondo uma equipe multidisciplinar nas áreas de medicina legal, antropologia forense, genética forense, odontologia legal, arqueologia, biologia e história".

Nota do ministério

Leia a nota do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos:

"O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que presta apoio à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), informa que, ao contrário do que foi divulgado nesta segunda-feira (22) por parte da imprensa, o Grupo de Trabalho Perus (GTP) não foi encerrado com a publicação do Decreto 9.759/2019.

Cumpre ressaltar que o Grupo de Trabalho Perus foi instituído em 2014 como instrumento possível para dar resposta à Ação Civil Pública que relaciona a União Federal, o Estado e o Município de São Paulo, universidades públicas e servidores públicos ligados às análises forenses durante o período em que os remanescentes ósseos estiveram sob responsabilidade destas instituições e pessoas físicas.

O grupo funcionava normalmente por força de um Acordo de Cooperação Técnica nº 01/2018, assinado entre o então Ministério dos Direitos Humanos (MDH), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que acabou por vencer em março deste ano. Um novo instrumento, de mesmo cunho, está em tramitação e deve formalizar a continuidade dos trabalhos.

Atualmente, a análise forense é realizada por quatro peritas fixas contratadas pela Prefeitura de São Paulo, o que é possibilitado por um convênio entre essa e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Além destas profissionais, o GTP conta, ainda, com peritos rotativos da perícia oficial do país e professores universitários, residentes em diferentes localidades do Brasil, que se dedicam uma semana por mês aos trabalhos. As passagens e as diárias são garantidas pelo Ministério.

As atividades do GTP contemplam ainda entrevistas e coletas de amostras de sangue de familiares, em diversas cidades do país, para exames de DNA.

Todas as etapas dos trabalhos periciais são realizadas em absoluto respeito aos princípios éticos e humanitários e conforme os protocolos científicos nacionais e internacionais para análise de remanescentes ósseos e coleta de amostra biológicas de familiares para exames genéticos com fins de identificação.

O Ministério reafirma a importância dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Grupo de Trabalho, atendendo aos preceitos humanitários e legais para que as famílias possam exercer seu direito ao sepultamento e ao luto. Os avanços conquistados por meio das atividades do GTP poderão apresentar subsídios para os processos de busca e identificação de casos de desaparecimento atuais, por seu legado humanitário e expertise no processo de identificação humana no país."

Veja linha do tempo desde a descoberta da vala clandestina:

  • 1990: Local é descoberto em 4 de setembro e Prefeitura de São Paulo exuma mais de 1000 sacos plásticos contendo as ossadas;

  • 1990: Trabalho de identificação é iniciado no departamento de Medicina Legal da Unicamp;

  • 1994: Análises são interrompidas;

  • 1998: Verificou-se a má conservação dos ossos, que ficaram armazenados em péssimo estado de conservação, empilhados em uma sala, com carteiras escolares em cima dos sacos, além de estarem molhados devido a uma inundação ocorrida no local;

  • 1999: Ministério Público Federal (MPF) interveio e em setembro foi instaurado na Procuradoria da República em São Paulo o Inquérito Civil Público nº 06/99, para apurar o lento andamento dos trabalhos na identificação das ossadas;

  • 2001: Com a intervenção do MPF, a Secretaria de Segurança Pública providenciou a transferência das ossadas da Unicamp para o Instituto Médico Legal, para prosseguimento dos trabalhos sob a responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP);

  • 2002: As ossadas são transferidas para o Cemitério do Araçá;

  • 2006: Trabalhos da USP são paralisados;

  • 2009: Paralisação levou ao ajuizamento de ação civil pública pelo MPF em São Paulo;

  • 2014: CAAF recebe as 1.047 caixas e análise é assumida pelo Grupo de Trabalho Perus.

  • 2017: Mais da metade das caixas tiveram seu conteúdo limpo e analisado e amostras de ossadas são enviadas para laboratório na Bósnia.

  • 2019: Mais de 900 ossadas limpas e examinadas.

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